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Privatização da REFAP e o terrorismo corporativista

*Camilo Bornia

Quando se discute o tema “privatização”, não apenas da Refinaria Alberto Pasqualini (REFAP), há uma tendência natural de se abordar a questão sob a ótica utilitarista. O utilitarista é aquele que se posiciona convenientemente de acordo com os fins que pretende atingir. “A empresa dá prejuízo? Então, privatiza-se!” ou “A empresa dá lucro? Então, mantenha-se estatal!” são abordagens típicas de utilitaristas. 

Críticos da privatização da REFAP apontam várias suposições utilitaristas: perda de arrecadação de Canoas, o aumento no preço dos combustíveis, demissões em massa e reduções de salários/benefícios. Se por alguma razão, a privatização da REFAP aumentasse a arrecadação de Canoas, reduzisse o preço dos combustíveis, contratasse mais empregados ou aumentasse o nível salarial, será que aqueles que são contrários mudariam de posição? Arrisco a afirmar que não. Outras narrativas seriam desenvolvidas para manterem suas posições sob qualquer custo. 

Apesar de acreditar que esse será o resultado no médio/longo prazo, não acredito que esta seja a abordagem correta para a questão. Os fins não devem justificar os meios. A pergunta a ser feita deve ser outra: “Eticamente, a empresa deve ser estatal ou privada?”. Para responder não é necessário recorrer a suposições sobre o que acontecerá no futuro. Basta recorrer a princípiosnorteadores. 

Toda empresa deve ser privada

Essa é uma questão principiológica. Não é função do Estado ser empresário. Sua função é preservar e proteger direitos individuais. Para isso, o Estado detém o monopólio do uso da força para impedir aqueles que iniciam ameaça, ato violento ou fraude. Para possuir empresas, em algum momento o Estado coagiu indivíduos para financiá-las, seja por meio de impostos ou preços mais altos dos que seriam cobrados em um mercado livre. Ao coagir indivíduos que não cometeram crime algum, o Estado faz aquilo que, em tese, deveria combater. Sequer uma maioria deve legitimar o Estado a coagir qualquer indivíduo. 

Aquele que quer possuir empresas, que o faça com seus recursos, sem coagir e assumindo os riscos da operação. Logo, desfazer-se de empresas estatais corrige um erro anterior – afinal, toda e qualquer empresa já deveria nascer privada, isto é, a partir da ação voluntária daqueles que nela investiram. 

“Empresa estatal” é uma contradição

Empresas devem se sujeitar a mecanismos de mercado: lucros/prejuízos e risco de falência. Empresas estatais não quebram. Seus prejuízos são cobertos pelo Tesouro Nacional. Ao não estarem sujeitas às punições do mercado, empresas estatais concorrem deslealmente com empresas privadas (quando concorrem!), além de não terem incentivos para operar com eficiência. Não há como existir “empreendedorismo de Estado”, pois os riscos inerentes às atividades empresariais inexistem nas organizações econômicas pertencentes ao Estado. 

Não há como atestar eficiência em empresas estatais

Preços administrados pelo governo, reservas ou proteções de mercado camuflam a ineficiência de empresas estatais, distorcendo a percepção de realidade. A concorrência, sob um sistema de preços livres, é um importante instrumento para que se possa inferir se determinada empresa é eficiente ou não. Argumentos que se valem da supostalucratividade, eficiência e qualidade dos bens produzidosou serviços prestados sequer podem ser consideradoshonestamente. 

Empresa estatal é um convite à corrupção

Ao invés de estarem sujeitas a fatores de mercado e a sua eficiência operacional, empresas estatais dão espaço a decisões puramente políticas, obtidas pela barganha oulobby. O preço de tudo isso recai sobre os pagadores de impostos, que bancam quando a empresa dá prejuízo, ou sobre os clientes da empresa, que pagam mais caro pelo bem ou serviço. Nos últimos 15 anos, o Brasil assistiu dois grandes escândalos de corrupção que nasceram em duas empresas estatais: os Correios (mensalão) e a Petrobras (Petrolão). Rockefeller afirmou certa vez: “O melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo bem administrada; o segundo melhor é uma empresa de petróleo mal administrada”. Aqui no Brasil, nossos políticos conseguiram a proeza de quase quebrar a Petrobras!

Privatizar é uma questão de princípios

Por isso, pouco importa quais serão as consequências DESTA privatização. Privatizar é eticamente correto por princípio. Uma empresa é exitosa ao satisfazer seus clientes. Para isso, nada melhor que ela opere sob os incentivos corretos, sem privilégios, correndo os riscos inerente às atividades empresariais.

Naturalmente, estes são os princípios que têm a minha concordância. São princípios liberais baseados no respeito à propriedade privada, à livre iniciativa e ao livre mercado. Há os que não concordam, por estarem ancorados em princípios coletivistas e estatistas. Estes desprezam a propriedade privada e a livre iniciativa, além de desejarem uma economia planificada. Porém, seria mais honesto que defendessem suas posições com bases nos seus princípios. 

Como princípios coletivistas e estatistas são autoritários e têm o seu sucesso dependente do uso da força e da coerção, seus defensores lançam mão de utilizá-los para justificar suas posições e adotam, pragmaticamente, argumentos utilitaristas. Esperam sensibilizar as pessoas das possíveis consequências nefastas daquilo que se opõe. Para isso, não hesitam em criar um ambiente de terrorismo, criando narrativas falsas:

Narrativa 1 – Canoas perderá arrecadação

Esta tese se baseia na suposta redução do ICMS, por conta do também suposto aumento de créditos tributários. Tem-se sustentado que a REFAP compra petróleo a preço de custo por fazer parte do grupo Petrobras. Ao ser privatizada, deixaria de ter tal benefício, comprando a valores de mercado. Com isso, a empresa receberia mais créditos de ICMS, pagando, consequentemente, menos deste tributo.

Ocorre que essa tese não se confirma ao consultar os demonstrativos da empresa. O preço do petróleo pago pelarefinaria está sempre muito próximo ao do mercado internacional. Fica ligeiramente mais baixo, porque o petróleo brasileiro é de menor qualidade. Se a REFAP comprasse petróleo a preço de custo, a operação de refino seria extremamente lucrativa. Os demonstrativos mostram que não é.

Há um outro aspecto que esta narrativa ignora completamente. A REFAP tem uma das piores taxas de utilização dentre as refinarias brasileiras: 61% (ver nota 1). Isto significa que 39% da sua capacidade está ociosa. Quem comprar a REFAP provavelmente fará o possível para rentabilizar ao máximo sua estrutura operacional, refinando ainda mais petróleo. Ora, isso aumentará o faturamento da companhia, que gerará mais impostos. 

Narrativa 2 – O combustível ficará mais caro

Empresas privadas tendem a ser mais eficientes do que empresas estatais. Sob um mercado aberto à concorrência, a tendência é de baixa de preços. Ainda assim, não há perspectiva de curto/médio prazo que o mercado esteja absolutamente livre das interferências da Petrobras. 

Narrativa 3 – Demissões em massa e queda do nível salarial

O principal objetivo de uma empresa é gerar valor para seus proprietários/acionistas. Isso somente é possível se a empresa gerar valor para seus clientes. Para isso, contratam e remuneram funcionários. Remunerá-los bem não é um ato altruísta, mas sim uma necessidade para que essa cadeia de geração de valor funcione bem. Logo, o objetivo de uma empresa não é gerar ou manter empregos. No máximo, isso é uma consequência desejável. 

É muito provável que o novo proprietário ajustará o seu quadro funcional. Apesar dos empregados da REFAP não terem direito à estabilidade no emprego, sabe-se que é muito difícil desligar funcionários. Inevitavelmente, a empresa desligará pessoas. Serão demitidas aqueles que entregam menos valor diante do que custam. Isso seria feito de qualquer modo se a empresa fosse conduzida empresarialmente. 

Tudo indica que a empresa crescerá, aproveitando os 39% de capacidade ociosa. Há espaço para mais contratações, ao contrário do que se prega. Porém, caso isso não aconteça, apenas teremos a confirmação que a refinariaestatal operava de forma muito ineficiente, com equipes muitos maiores do que realmente precisava. 

O novo proprietário também buscará ajustar sua matriz de cargos e salários à realidade de mercado. Apenas trabalhará nela quem quiser. Se houver espaço para redução, haverá mais um sinal inequívoco que a empresa estatal operava de forma ineficiente. 

Narrativa 4 – A REFAP deve à Canoas

Canoas tem sorte de sediar uma companhia que fatura mais do que a própria prefeitura arrecada. A REFAP proporciona empregos, atrai uma cadeia de negócios para a cidade, é o maior pagador de impostos. Canoas depende mais da refinaria do que o contrário. Uma refinaria privada, estando submetidas aos incentivos de mercado, poderá ser muito mais eficiente. Canoas poderá ser muito mais beneficiada.

O que está por trás destas narrativas: Interesses corporativistas!

O corporativismo é um sistema criado na Itália fascista em que corporações representativas de interesses econômicos, industriais ou profissionais se organizam e participam da vida política. Corporativistas priorizam os interesses do seu grupo, mesmo que isso implique em coagir terceiros para que estes sustentem as suas pautas de reivindicações. 

O corporativismo está encrustado no sistema legal brasileiro. Se apresenta por meio de confederações/sindicatos/associações empresariais ou laborais, conselhos profissionais, agências reguladoras, conselhos municipais, partidos políticos, empresas estatais e afins. 

Privatizações colocam em risco a atuação de corporativismo sindical e dos empregados de empresas estatais. Negociar com a direção de empresas estatais, que operaram fundamentalmente sob incentivos políticos em detrimentos dos econômicos, facilita muito a atuação destes corporativistas.

Quem tiver o cuidado de analisar o último Acordo Coletivo de Trabalho da Petrobras, que também abarca os empregados da REFAP (ver nota 2), entenderá por queseus empregados querem que a companhia continue sendo uma subsidiária da maior estatal brasileira:

– Férias é de 3/3 (enquanto a regra vigente no Brasil é de 1/3).

– Diversos tipos de gratificações.

– Enquanto as empresas em geral usam banco de horas para compensar horas extras, na Petrobras o banco de horas serve para compensar saldos negativos de frequência (para evitar desconto de salário). As horas extras devem ser sempre pagas.

– A Petrobras paga 90% da pré-escola para dependentes; 75% das mensalidades do ensino fundamental ou 100%gastos com material escolar e uniforme, caso a matrícula for em escola pública; 70% das mensalidades do ensino médio ou 100% gastos com material escolar e uniforme,caso a matrícula for em escola pública; 60% das mensalidades do ensino superior ou 100% gastos com material escolar, caso a matrícula for em escola pública.

– Benefício Farmácia.

– As cláusulas do Capítulo IV (da segurança no emprego) ilustram o quanto é difícil que alguém seja demitido. Caso haja excedente de pessoal, redução de atividades ou reestruturação de atividades, a companhia é obrigada realocar o empregado em outra unidade, além de treiná-lo, requalificá-lo e apoiá-lo financeiramente na mudança.

– Há previsão de até 5 faltas por ano sem qualquer sansão, excetuado o desconto no salário (lembrando que pode ser compensado no banco de horas). 

– A companhia garante a liberação de empregados eleitos como dirigentes sindicais sem prejuízo salarial. 

Estes são alguns pontos do generoso acordo coletivo. Em tese, acordos livres e voluntários não devem ser objeto de questionamentos. Ocorre que uma das partes desse acordo é uma empresa estatal, que tem o custo das suas decisões repassado aos pagadores de impostos e aos seus clientes, sem que estes tenham alternativas caso se oponham. Quando uma empresa privada decide assumir custos elevados com seus funcionários, ela assume o risco dosseus clientes se recusarem a pagar um preço mais alto.Afinal, seus clientes, geralmente, dispõem de alternativas de mercado. Além disso, na Petrobras os seus diretores são beneficiados pelos acordos generosos firmados com ossindicatos. 

Muito provavelmente, os empregados da refinaria privada encontrarão um ambiente de negociação muito menos favorável que na época da REFAP. O acordo paternalista dará lugar para um acordo muito mais próximo da realidade das empresas em geral. Seus empregados serão mantidos mediante entrega de valor e não por um acordo garantista. 

O corporativismo sindical e dos empregados das estataisvai muito além do ambiente de negociação entre patrões e empregados. Dado o nosso sistema legal, baseado em leis positivas que se sobrepõem aos contratos, ele também está presente na política partidária. Partidos de viés coletivistas e estatista, que são majoritariamente de esquerda, têm no corporativismo sindical e dos empregados das empresas estatais as suas maiores bases de apoio. Fiéis aos seus eleitores, eles reforçam as narrativas e defendem com unhas e dentes o status quo daqueles que se servem das empresas estatais em detrimento de todos aqueles que as mantêm.

Muitas pessoas têm longo tempo de serviços prestados à REFAP. Mas é importante lembrar que foram bem remuneradas por isso. O tempo de casa lhes asseguram indenizações proporcionais, caso a empresa prefira dispensá-los. Este longo tempo deveria constituir em maior experiência e capacidade de entrega de valor à companhia. Essa é a contrapartida que qualquer organização empresarial deseja dos seus empregados. O tempo de casa isoladamente, sem entrega de valor, não constitui direito à manutenção do emprego. 

É da natureza humana defender a manutenção daquilo de nos favoreçam. Quem trabalha na REFAP pode até não gostar da sua atividade em si, mas se mantém na empresa por tudo que ela lhe proporciona. Portanto, é natural esperar que muitos empregados da REFAP defendam que o Estado brasileiro se mantenha como controlador da companhia, pois é um patrão conhecido e generoso, que lhes asseguram as condições atuais. É absolutamente legítimo desejar as melhores condições possíveis de trabalho, desde que obtidas mediante acordo livre e voluntário entre as partes. Apenas sob propriedade e controle 100% privado é possível inferir a liberdade e voluntariedade das partes. 

*Candidato a prefeito pelo NOVO em Canoas.

Terceiro Colocado no Pleito de 2020

Nota 1: Dados disponíveis na página 4 da apresentação contida em http://www.mme.gov.br/documents/36220/1123057/Apresenta%C3%A7%C3%A3o+Estudo+PUC-Rio+-+Brasilcom+27-04-2020++%28vers%C3%A3o+final%29.pdf/e332ddfa-3c2e-8b6d-16b8-2a9bd3e4184a

Nota 2: Acordo Coletivo de Trabalho 2020-2022 disponível em https://www.sindipetro-rs.org.br/images/pdf/act_2020-2022_petrobras.pdf.

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