Voa, Jairo Jorge, voa
* Rafael Martinelli
Voa, JJ. Canoas, de ‘prefeito novo’ a partir desta terça-feira, não está nem aí para o mico do Ministério Público. É hora de governar – contestem-me. Andei por aí, hoje.
O JJ, as iniciais, marcaram manchetes político-policiais envolvendo Jairo Jorge, no último ano e meio em que o prefeito eleito pelas urnas em Canoas foi afastado do cargo a pedido do Ministério Público Estadual, com a concordância do Tribunal de Justiça gaúcho, por suspeitas de corrupção em contratos que somariam impalpáveis R$ 200 milhões.
O ‘voa’ é um slogan – que remete a 1937, quando a base aérea foi instalada na terra que se tornou a filha rica de Gravataí – ao qual recorre o popular político para comunicar boas novas, quando, por exemplo, amanhecia ouvindo o povo no trem.
Fatos, aqueles chatos que atrapalham argumentos, é que este 28 de março de 2023 nasceu como um dia histórico na terra onde a Princesa Isabel, nos anos 80, dos 1880, viu só “capão de mato”, e hoje é a terceira economia gaúcha; seja fugaz ou não, é a redenção de um dos políticos mais queridos de todos os tempos em uma cidade-menina, mais nova do que leitores deste artigo, pais, mães e avós.
JJ, ao entrar no palacinho da rua 15 de Janeiro, a ‘Rua da Emancipação’, cercado de apoiadores, retornou ao lugar onde as urnas o colocaram antes do escândalo da ‘Copa Livre’; um mico do MP.
Este artigo instiga a tese que enfrento desde o espocar do ovo da Lava-Jato: a presunção de culpa aos políticos é a chocadeira do fascismo; o ódio à política – e seu o irmão mais velho, o punitivismo espetacular – menospreza o que há de mais sagrado na democracia, que é o voto.
Com um discurso de otimismo, Jairo se esforçou para lembrar que, mesmo que não acompanhado pelo arrasto do corpo magro e o rosto de olheiras profundas que mostram um ser humano ferido, é o político dinâmico e criativo que tinha governos aprovados por 8 em cada 10 pesquisados em Canoas e, ainda ontem, concorreu ao Governo do Estado.
Jornalista de formação, bom de comunicação, nos anúncios que fez focou na transparência e no combate à corrupção nas estruturas de governo; aqui grifo eu, uma bobagem, que, se houver corruptos, significa zero no orçamento, e não faz frente aos problemas que uma cidade periférica como Canoas enfrenta. Mas JJ também prometeu entregas para a população. E orçamento há. De bilhão; e com um prefeito com interlocução com Lula.
Anilhas, por obvio, ainda restam para o voo do prefeito devolvido hoje aos 82.137 que o elegeram em 2020.
Antes das ‘tornozeleiras jurídicas’, vamos às amarras políticas.
Se com seu vice alçado a prefeito, Nedy Marques (Avante), a relação teve um AVC, e depende de muita fisioterapia política, Jairo tem diálogo com a maioria dos vereadores.
Volta o prefeito em um ano onde a Câmara terá as chamadas ‘emendas impositivas’ – que reputo o pior de Brasília importado para Canoas, mas um dispositivo de conexão entre vereadores e prefeito: os parlamentares indicam as emendas e o prefeito executa.
O cálculo respeita a economia da Câmara, que pode receber até 6% de um orçamento de R$ 2 bilhões. Pode render mais de meio milhão por vereador.
Talvez essas emendas livrem Jairo de chantagens políticas, como impeachments – ou golpeachments. Podem sossegar os políticos satisfeitos em ter liberada essa bolada que permite a eternização nos mandatos.
Às avessas, o tribuno ‘Dr. Nedy’ preferiu palestrar a ouvir e atender – o que não é uma crítica, pode até representar biografia – e não bancou a cassação de JJ; hoje resta com uma ‘cadeira no cemitério’, apesar de, na reforma política que aprovou, ter criado uma superestrutura para o Gabinete do Vice-Prefeito.
Millôr brincava: “o ócio faz o vice”. Com a volta de Jairo, para Nedy não é uma escolha.
Ainda nas anilhas nos tornozelos finos de Jairo está o MP. O prefeito voltou ao cargo porque os promotores estaduais investigaram contratos com verbas federais; um mico. Ah, é um detalhe! Nunca nada pode ser um detalhe em um processo onde alguém pode ser preso, ou ter a reputação violentada. Aceitaria réu ser você, sua mãe, filho, esposa?
Há gente, famílias por trás das manchetes, não só bandidos, ladrões de jóias e etc.; antes que você que me lê fale, digo eu: a maioria tem culpa. Ok. Mas reputo nenhuma justiça justifica uma injustiça. Me entende? O ‘Caso Jairo’ me importa muito pelos ‘PPPs’, pretos, pobres e putas, suspeitos e condenados de sempre. Se um erro acontece com um figurão, como JJ, o que será dos outros, de nós?
É uma pergunta que gostaria de fazer a Fabiano Dallazen, então procurador-geral de Justiça no Rio Grande do Sul que autorizou afastar do cargo um prefeito de 80 mil votos, e afastou outro, Miki Breier, em Cachoeirinha, com 19.699 votos. Não quero mais, porque hoje Dallazen está em outro lado do balcão, na iniciativa privada. É o diretor institucional da Aegea, consórcio que comprou a Corsan, como divulgou o deputado estadual Miguel Rossetto.
Nos autos está que o processo originado na operação ‘Copa Livre’ foi para a justiça federal onde, agora, MPF ou TRF4 analisam o caso JJ; claro, com todo o devido processo legal e a leitura de 11 mil páginas.
Desta corte, julgamento rápido, que possa tirar Jairo Jorge da Prefeitura antes da eleição de 2024, só lembro do Lula; aí merece um outro artigo, cobrando provas nunca mostradas e analisando personagem já chamado de ‘juiz ladrão’.
Goste-se ou não, o ‘homi’ voltou, como ouvi na Praça da Emancipação. Fui a Canoas hoje, para buscar informações e, principalmente, um sentimento. Falei com amigos e políticos, mas entre um cigarrinho e outro, abordei estranhos. Pouca gente parecia saber. Deu na Gaúcha. GZH postou matéria, com foto de JJ entre pessoas de religiões afro. Jornal do Almoço noticiou, de passagem. A vida parecia continuar, obscena, enquanto um após outro pegavam sobras de legumes e verduras na caixa que – parabéns! – deixa em frente a seu estabelecimento o Juca Hortifruti, na Frei Orlando.
Ao fim, Jairo tem muito a explicar. Ele sabe. E disse isso em seu discurso de hoje. Anunciou duzentos órgãos para combater a corrupção. Mas, permita-me, prefeito eleito: o povo quer entregas, realizações, não só compromissos com expressões janotas como compliance – que significa, vejam só: cumprir a lei.
O senhor não tem que governar para o MP ou para o Judiciário. Queiram prendê-lo, ou não, és ainda o escolhido por 82.137 eleitores, pela religião que, num estado laico, deveria ser a DEMOCRACIA.
JJ, lembre, In Memoriam, de Dom Pedro Casaldáliga: “Na dúvida fique do lado dos pobres”.
* Rafael Martinelli | é jornalista e editor do site Seguinte, que atuam nas cidades de Cachoeirinha, Gravataí e Viamão.